De regresso a casa
Resolvi escrever só agora o resumo final da minha estadia na China durante o semestre que passou, por duas razões, a primeira, porque precisava de assentar ideias antes de dar qualquer opinião e a segunda, porque tive uma má experiência antes de regressar para Portugal, que me fez ficar um pouco ressentida com todos estes meses passados na Ásia.
Antes de regressar a Portugal, fiz uma viagem de um mês pelo sudoeste asiático (Tailândia, Camboja, Indonésia, Singapura e Malásia), que foi espetacular e me marcou para sempre, mas que acabou da pior forma. A dois dias de voltar para China e apanhar mais tarde o voo para Portugal, fui assaltada na capital da Malásia, Kuala Lumpur. Lembro-me como se fosse hoje, tinha saído sozinha para ir ver o jogo Potugal x EUA (lá eram 24h30) a um café que ficava a dois minutos a pé do hostel…mas, nesse momento tinham posto a dar na televisão o jogo da Alemanha e eu resolvi sair no intervalo porque não estava lá a fazer nada. A caminho do hostel, um homem na sua scooter apareceu à minha frente e pediu-me, apontando uma faca, que lhe desse a minha carteira. A minha reação foi recusar à primeira, mas segundos depois apercebi-me do que se estava a passar e lá dei a carteira, fiquei boquiaberta, sem conseguir falar ou pedir ajuda! A partir desse momento a minha viagem única e fantástica tinha chegado ao fim e só queria regressar a casa.
Voltei então à China. Qualquer chinês que me aparecesse à frente irritava-me, qualquer comida chinesa dava-me a volta à barriga, ouvir aquela língua tão diferente deixava-me stressada e só pensava na minha família e no meu país que tanto adoro. Foi um final que não esperava e, por essa razão, não quis escrever logo sobre a minha experiência pois tinha regressado com má impressão de tudo o que tinha vivido.
Agora, mais calma, sinto que é a altura certa para falar sobre esta experiência, que amei e voltaria a repetir, embora com algumas mudanças. Se fosse hoje teria aproveitado mais alguns momentos e teria alugado uma casa com outros estudantes, pois pouparia dinheiro e teria uma cozinha, que na minha residência não tinha e todo o semestre almocei e jantei em restaurantes, o que me fez muito mal, pois em 4 meses engordei 5 quilos. A comida chinesa é à base de arroz e noodles fritos, dumplings, molhos, muitos temperos e poucas proteínas. Eu como já gostava de comida chinesa, comecei a experimentar tudo sem medir consequências e quando dei por mim não tinha na minha alimentação coisas essenciais como peixe, carnes brancas, legumes cozidos. Na sociedade chinesa não se come pão, fiambre, queijo, peixe, cereais, leite, etc…e para adquirir produtos ocidentais temos que nos dirigir a lojas específicas e são muito caros. Ou seja, em 4 meses mudei drasticamente a minha alimentação. Se houver uma próxima oportunidade de morar na China, terei isso em consideração.
Mas, nem tudo foi mau, agora olhando para trás penso nos bons momentos que vivi, nas pessoas fantásticas que conheci e ficam para a vida. Nas tardes passadas a treinar o mandarim, nos passeios que fiz e coisas que vi e vivi pela primeira vez na vida como se fosse uma criança a aprender tudo do início. Foi necessário uma adaptação brutal, uma força enorme para conviver com aquele povo tão diferente. Hoje, digo que os chineses são pessoas fantásticas quando o querem ser, quando se mostram disponíveis para os estrangeiros e quando querem aprender e partilhar coisas connosco. Têm um pensamento e hábitos completamente diferentes dos nossos, mais conservador, mas é isso que torna tão interessante conhecer essa cultura e criar laços com eles, pois podemos trocar ideias. Na europa é impensável os pais arranjarem noivo para as filhas, não passa pela cabeça de ninguém fazer encontros em que os pais expõe os filhos de tal forma, que os outros pais podem escolher consoante o seu perfil descrito em papéis pendurados nas paredes. É impensável comer arroz ao pequeno-almoço, almoço, lanche e jantar. Os namoricos de juventude que se vê por todo o lado na Europa, são mal vistos pelos mais velhos, pois até terminar o secundário não se pode ter nenhum namorado porque vai destabilizar os alunos e tirá-los do foco da vida. Vive-se para criar família e cuidar uns dos outros, não se vive só para si, vive-se de partilha e luta por se superar o que se conseguiu até aí todos os dias das suas vidas.
Amei aprender mandarim (apesar de muito difícil, a forma como os caracteres são feitos faz todo o sentido e a língua em si torna-se interessante) e conhecer a história do país, sinto-me uma pessoa mais rica interiormente e dou muito mais valor a pequenos pormenores. O povo chinês é um povo trabalhador, apesar de muitas vezes se aproveitar de ideias de outros países, como Japão e Coreia. São um exemplo para nós, portugueses, que muitas vezes demoramos eternidades para nos fazer à vida.
Estes meses mudaram o meu pensamento, e hoje digo, que foi e vai ser para sempre A experiência da minha vida. Já sinto saudades de tudo, até das coisas que mais me incomodavam, como o trânsito infernal, as pessoas a falarem aos berros e a forma ainda rudimental de viver a vida.
Claro que há coisas que nunca me vou habituar, como a sujidade, o escarrar no chão, a dificuldade em resolver problemas sem antes ter que passar por trinta mil escritórios e pessoas, principalmente quando se trata de estrangeiros; a confusão no metro e a dificuldade em cumprir filas e regulamentos. Mas, adaptei-me, cresci e sou uma nova pessoa, com histórias infinitas para contar e recordar todos os dias da minha vida com muita alegria.
Tenho a agradecer a todos os que me ajudaram e estiveram comigo nos momentos bons e nos mais difíceis e em que a saudade foi mais forte. Mas posso dizer que foi brutal, adorei, amei e faço questão de voltar um dia e rever locais e pessoas com que me cruzei.
Espero, com este blog, ter dado uma boa ideia do que é a China e das experiências que vivi. Que, quando falarem sobre a China, possam dizer que conhecem um pouco o país e possam dar conselhos, pois já ouviram falar e tiveram oportunidade te ter relatadas muitas realidades daquele país. :)
O meu nome é Luísa Gomes, tenho 20 anos e estou no último ano da licenciatura de Gestão no ISCTE Business School. Sou natural de Coimbra, Portugal.
Nos próximos 5 meses irei estar em Nanjing, China a terminar os meus estudos, no âmbito de um programa de intercâmbio realizado entre a minha faculdade e a correspondente em Nanjing.
A criação deste site, associado a um blogue, surgiu para contornar um obstáculo encontrado, que é o da falta de liberdade de expressão e imprensa, que põe em causa o contacto com o mundo através de, por exemplo, redes sociais. Assim, surge com intuito de relatar todas as minhas aventuras, experiências e factos da sociedade chinesa, bem como divulgar o meu projecto "Uma experiência de vida - Relato de uma viagem pela China na 1ª pessoa". Este consistirá no desenvolvimento de competências académicas, empresariais e sociais e no estabelecimento de contacto entre Portugal e a China.
A actividade lectiva circunscrever-se-á a uma pequena parte do tempo disponível, sendo que haverá lugar à execução de outras actividades fundamentais no âmbito do projecto que vos apresento - voluntariado e promotoria empresarial. Ou seja, será uma viagem multidisciplinar caracterizada por uma itinerância constante, em diversas regiões, por deslocações a empresas e pela prestação de serviços. Para tal, contarei com o patrocínio da Associação Tempos Brilhantes, a qual vou representar durante toda a viagem, e com os contactos que estabelecerei ao longo do tempo.
Espero que me acompanhem nesta viagem e nas minhas aventuras. Vai ser algo único que quero partilhar com vocês!